domingo, 1 de dezembro de 2013

ADEUS À HORA DA LARGADA

Minha Mãe
           (todas as mães negras
            cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis


Mas a vida matou em mim essa mística esperança


Eu já não espero
sou aquele por quem se espera


Sou eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos partidos para uma fé que alimenta a vida


Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico
somos os teus filhos
dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz elétrica
os homens bêbedos a cair
abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos
com fome
com sede
com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas
com medo dos homens
nós mesmos


Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura


Nós vamos em busca de luz
os teus filhos Mãe
       (todas as mães negras
        cujos filhos partiram)
Vão em busca de vida.


Agostinho Neto

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